Em 2010, o mundo assistiu entusiasmado ao lançamento do filme The Social Network, contando a história por trás da criação da mais impactante rede social que já existiu.

O filme é desenvolvido com um caráter motivacional. Apesar de flertar com as falhas morais de seu fundador, Mark Zuckerberg, o filme é carregado do discurso quase irracional de que, basta uma boa ideia e muita dedicação, que em poucos anos você pode entrar para o seleto grupo de bilionários.

Ao longo dos 120 minutos de filme somos contagiados por uma forte energia, uma indescritível vontade de ligar o computador e desenvolver algo novo e incrível, um projeto que nos traga a mesma sensação de conquista que acompanhamos na jornada de Jesse Eisenberg, representando Mark Zuckerberg, no longa-metragem.

Como obra cinematográfica, o filme faz o excelente papel de amenizar os lados ruins e exaltar a parte positiva do empreendedorismo. Afinal, qual lado negativo poderia tirar as vantagens de ser um dos homens mais ricos do mundo?

Empreender na vida real é um pouco diferente, e a longa jornada de Zuckerberg pelos tribunais desde quando a empresa ainda se chamava The Facebook, nos mostra que apesar do dinheiro e glamour, existe um lado que nem todo mundo está preparado para enfrentar.

Na terça-feira, dia 10 de Abril, Mark Zuckerberg passou por uma sabatina de 5 horas no Senado americano. O presidente do Facebook respondeu questionamentos fortes e incisivos sobre a conduta da empresa e suas políticas em relação aos dados de seus usuários.

Polêmicas de lado, existem algumas lições muito importantes que podemos extrair de todo esse processo, educando futuros empreendedores e ajustando o comportamento de outros profissionais.

Empreendedores com a pele no jogo

Existem diversos motivos para alguém se tornar um empreendedor. Da necessidade de levantar dinheiro, pagar as contas e lidar com as dificuldades do mercado de trabalho, até o glamour das revistas de negócio e grandes quantias de dinheiro, não existe empreendedorismo sem uma característica muito específica: assumir riscos.

É por isso que fazemos questão de diferenciar empresários e empreendedores. O primeiro está apenas replicando modelos conhecidos e já testados de forma segura e conservadora, caminhando por uma linha conveniente e que representa pouco risco para o patrimônio e estrutura que já conhece.

Empreendedores são diferentes: seu processo envolve um desbalanceado risco e comprometimento. O autor Nassim Taleb aborda um pouco dessa característica empreendedora em Antifrágil, no ensaio onde propõe a criação de um Dia Nacional do Empreendedor.

Taleb sugere que empreendedores falidos deveriam receber um tratamento honroso, parecido com as honras dadas aos soldados mortos na guerra. Afinal, são pessoas que se arriscaram – e faliram – no desenvolvimento de um projeto que traria colaboração para o coletivo de forma ampla. E apesar do seu próprio lucro pessoal ser um grande atrativo, empreendedores crescem colaborando para a sociedade que estão inseridos.

Para Nassim Taleb, o dia do empreendedor deveria vir acompanhado da seguinte mensagem:

“A maioria de vocês fracassará, será desrespeitada, empobrecerá, mas somos gratos pelos riscos que vocês estão assumindo e os sacrifícios que estão fazendo em prol do crescimento econômico do planeta e forçando os outros a sair da pobreza. Vocês estão na origem de nossa antifragilidade. A nação agradece.”

Quando observamos Mark Zuckerberg sentado no Senado, somos obrigados a reconhecer uma outra face do empreendedorismo, esta, bem menos glamurosa do que posar para a capa da Forbes.

Ao assumir um negócio, o fundador e presidente torna-se diretamente responsável pelas suas ações.

Uma regra fundamental para diferenciar os verdadeiros empreendedores dos oportunistas vestindo terno, gravata e microfone de rosto, é observar quais riscos a pessoa está assumindo.

E por risco, não falo de reputação, de passar vergonha ou ter que procurar um novo emprego no dia seguinte. O empreendedor assume riscos grandes e muitas vezes desproporcionais. São consequências que podem causar danos reais à sua vida, sua estabilidade e seus familiares.

Colocar a pele em jogo, o que Nassim Taleb chama de Skin in the game, não é decisivo, mas é um grande indicador de compromisso.

Um CEO é construído com treinamento

Outro ponto crucial do testemunho de Mark Zuckerberg no Senado dos Estados Unidos, foi o extenso treinamento que foi submetido para, ao longo daquelas 5 horas, controlar seu nervosismo e seguir detalhadamente o plano desenvolvido por sua equipe.

É comum ver fundadores de startups, muitas que ainda nem passaram pelo processo de validação, precipitarem-se ao adicionar o título de CEO em sua descrição no Linkedin. Por mais que não seja mentira, de forma direta, é preciso revisitar um pouco do que faz um verdadeiro diretor executivo e o motivo no qual até grandes empreendedores preferem contratar outras pessoas para assumirem o cargo de CEO de suas empresas.

As extensas anotações utilizadas pelo CEO do Facebook mostram que ele não estava ali como o jovem visionário que abandonou Harvard para empreender. Zuckerberg, durante aquela tarde, era o resultado de muito preparo e treinamento.

Ao encarar os 42 senadores e seguir o minucioso preparo no qual foi condicionado, o presidente do Facebook mostrou que além da visão de negócio, tática e estratégias minuciosas, também sabe seguir roteiros e obedecer o que manda seu treinamento.

Um verdadeiro CEO não nasce fundando uma empresa, mas é construído com treinamento e aprendizado ao longo das dificuldades que enfrenta todos os dias.

Detalhes importam muito

Por mais que não assumam publicamente, o Facebook tornou-se uma grande potência em entender as nuances do pensamento da sociedade. Através da quantidade exorbitante de dados que armazena de seus usuários, os cientistas da rede social são capazes de entender como pequenos detalhes podem mudar totalmente a percepção das pessoas.

Em 2014, o Facebook anunciou que efetuou testes na linha do tempo para influenciar o humor e as emoções de seus usuários. Os resultados impressionantes foram divulgados num artigo cientifico da Universidade de Princeton.

Cientes da importância dos detalhes, a equipe de Zuckerberg sabia que, com seus apenas 1,70m de altura, 0 CEO pareceria diminuído e fraco diante dos senadores. Para resolver este problema que poderia afetar não só a percepção do público ao assistir o depoimento através das câmeras, mas também a própria autoconfiança de Zuckerberg e a impressão dos senadores, foi colocado uma enorme almofada em sua cadeira.

É comum no meio do empreendedorismo de tecnologia ouvir que algumas ações são desnecessárias e puramente estéticas, artifícios para causar boa impressão visual. No entanto, a gigante dos dados nos ensina que, mais do que nunca, é muito difícil dissociar o conteúdo da percepção visual que está sendo transmitida.

Zuckerberg poderia ter as melhores respostas para o Senado, mas sem a força de uma imagem controlada e imponente – na medida do possível, não vamos ser exagerados – os resultados poderiam sair do controle com muita facilidade.

O que poderia soar como pura estética ou desnecessário é parte de uma minuciosa estratégia.

O mesmo podemos observar no desenvolvimento de software, na forma como nos vestimos e até em como livros são vendidos. Por mais que muitas vezes o conteúdo seja o melhor possível, sem uma representação visual que traduza a qualidade desse conteúdo é muito difícil conquistar o público.

É importante observar também que não estamos emitindo opiniões sobre o caso Cambridge Analytica e o impacto no uso de dados de usuários envolvendo o Facebook. Este é um longo processo que ainda terá bastante efeito nas ações da empresa, envolvendo muitas visitas à parlamentos do mundo todo.

Enquanto aguardamos o desenvolvimento do caso, podemos apenas observar algumas importantes lições extraídas de um dos CEO’s mais importantes de todos os tempos, aplicando tudo na forma como conduzimos nossos negócios e profissões. Já o futuro do Facebook e o impacto no uso de dados de usuários, este ainda é um grande mistério para todos nós.